Produzido por Leonardo DiCaprio e dirigido pelo austríaco Richard Ladkani, “Yanuni” é um documentário que vai além da simples observação da floresta amazônica: ele mergulha em sua essência, revelando a poesia visual e espiritual do território e de seus povos originários. Misturando tensão política, emoção e beleza natural, o filme apresenta um retrato íntimo da ativista indígena Juma Xipaia, a primeira mulher eleita cacique na região do Médio Xingu, na Amazônia.
Desde os primeiros minutos, o documentário estabelece um senso de urgência incomum. Diferente de muitas obras ambientais, “Yanuni” combina habilmente o suspense político com uma estética contemplativa, conduzida por uma câmera que mais parece parte da própria floresta. A narrativa acompanha a trajetória corajosa de Juma, desde sua adolescência combativa, mostrada em arquivos jornalísticos de 2009, até sua atuação atual como uma liderança consolidada e incansável defensora dos direitos indígenas.
A imagem de Juma, frequentemente com pinturas tradicionais no rosto e cocar na cabeça, marca presença com força e dignidade. Ainda jovem, ela já afirmava estar disposta a morrer por seu povo. Hoje, após sobreviver a seis tentativas de assassinato, ela continua lutando — como evidenciado em uma cena impactante de 2021, durante um protesto em Brasília. Ali, a manifestação em frente ao Congresso Nacional se transforma em caos quando a polícia dispara contra os manifestantes. A câmera, posicionada ao lado de Juma, capta os tiros a poucos metros de distância, em um dos momentos mais tensos do filme.
Esses episódios urbanos de violência contrastam de forma poderosa com as imagens serenas da floresta. A fotografia do documentário não apenas registra a natureza; ela se funde a ela. Voos panorâmicos acompanham pássaros sobre as copas das árvores, enquanto closes revelam pequenos insetos entre folhas iluminadas pelo sol. A sensação é de estar presente no ambiente, sentindo a conexão espiritual com a terra que Juma tanto defende. É nesse ponto que o cinema de Ladkani se alinha ao discurso da protagonista: não basta falar sobre a relação com a terra — é preciso fazer o público senti-la.
Durante a obra, acompanhamos Juma em deslocamentos entre encontros políticos em centros urbanos e sua vida no vilarejo, ao lado do filho pequeno. O som do filme alterna entre ritmos suaves e naturais e o ruído ensurdecedor dos garimpos ilegais, cujas perfurações devastam a floresta e contaminam os rios com mercúrio na busca incessante por ouro. Mesmo diante dessa destruição, Juma e outros líderes indígenas seguem resistindo e conquistando espaços políticos importantes.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, após a derrota de Jair Bolsonaro, trouxe alguns avanços simbólicos para os povos indígenas — entre eles, a nomeação de Juma para um novo cargo criado pelo governo. Essa conquista parece representar um desfecho natural para o documentário. No entanto, “Yanuni” deixa claro que a luta está longe de acabar.
Mais do que um registro visual, “Yanuni” é uma celebração da coragem, da ancestralidade e da resiliência dos povos indígenas do Brasil. É um filme que emociona, incomoda e inspira, ao mesmo tempo em que denuncia a violência sistemática e a urgência de proteger a Amazônia e seus guardiões.